Hoje, a fome no Brasil atinge cerca de 33,1 milhões de pessoas, sendo um problema histórico, e, mesmo com uma queda significativa ao longo da primeira década do século XX, os números já apontavam para um crescimento alarmante desde 2014. Entretanto, com o início da pandemia em 2020, houve um aumento de mais de 58% na situação listada como insegurança alimentar no país.
Tal situação foi atestada no dia 7 de Junho, quando houve uma atualização nos dados sobre a fome no Brasil, divulgada em reportagem do portal “Brasil de Fato”, apontando que, atualmente, mais da metade das famílias brasileiras sofrem de instabilidade alimentar. De acordo com a pesquisa, houve um aumento significativo no número de pessoas que passam por essa situação, e, segundo a vice-presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do estado do Rio Grande do Sul (Consea-RS), Ana Carolina Mattos, esse problema é uma questão política, além da falta de uma base estrutural forte no quesito social. E vale, também, ressaltar que o uso de agrotóxicos atrapalha esse processo.
Assim, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números da fome cresceram mais de 7% entre 2020 e 2022 no país, tendo maior foco nas regiões Norte e Nordeste. Ainda, o Brasil é apontado como um território onde há baixa prática de políticas para combater a fome e a pobreza, e isso impacta diretamente na maneira como a situação escala desde de 2014.
O contexto da fome
De 2007 a 2022, o Brasil tem convivido com o fenômeno da inflação de alimentos, medida pelo Índice de Preços de Alimentação e Bebidas (IPAB). O preço da comida reflete os acontecimentos da cadeia agroalimentar, podendo ser influenciado pelas condições de produção agrícola, das agroindústrias, indústrias alimentícias e de diversos serviços, com destaque ao varejo alimentício, principalmente supermercados.
Além disso, o aumento da fome também foi uma das consequências da pandemia de Covid-19. Muitas famílias tiveram que lidar com o desemprego durante o período de isolamento, ficando sem base para se sustentar, mesmo de modo básico. Com os preços dos alimentos subindo cada vez mais, tornou-se impossível para que essas famílias possam se alimentar corretamente com o pouco dinheiro que conseguem o auxílios governamentais.
É o caso de Sônia*, moradora de uma comunidade do subúrbio do Rio de Janeiro, que não quis ter sua identidade revelada. Ela aponta vários problemas que vem enfrentando, como as tentativas falhas de políticas públicas por parte do governo atual. Ela também afirma que, com o aumento do preço dos alimentos, fica cada vez mais difícil conseguir bancar as despesas de uma família com 5 pessoas, na qual ela é a principal fonte de renda. A mulher, ainda, declara que, mesmo com os programas que o governo oferece, ainda há muitos problemas no processo e no sistema que a impedem de levar alimentos para a mesa de casa.
E esse é apenas um dos muitos casos que se agravaram devido à pandemia de Covid-19, que elevou os níveis de Insegurança Alimentar (IA) no Brasil, expondo o aprofundamento das desigualdades que afetam os grupos sociais mais vulnerabilizados. Entre suas causas, encontram-se os potenciais impactos na SAN das políticas de controle adotadas pelo Brasil desde 2014, acarretando redução de investimentos relacionados às políticas sociais. Além disso, todas as condições econômicas, sociais e sanitárias ruins já enfrentadas no Brasil em 2020, vem se agravando desde o início de 2021, em decorrência do total descontrole da pandemia.

Assim, de acordo com dados da Rede PENSSAN no Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil, divulgados no dia 8 de junho de 2022, 33 milhões de cidadãos brasileiros estão passando fome, revirando lixo e catando ossos para que possam ter pelo menos algo para fazer uma refeição por dia.
A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. Ela é classificada em três níveis: leve, moderada e grave.
Leve: Incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida.
Moderada: Quantidade insuficiente de alimentos.
Grave: Privação no consumo de alimentos e fome.

Para compreender melhor esse panorama, é preciso levar em consideração que o Brasil é um país continental, e como tal lida com problemas de proporções equivalentes ao seu tamanho. Ao observar valores como 6,94% de pessoas com insegurança alimentar na região centro-oeste e 6,02% na região sul/sudeste, pode parecer que são números baixos, porém para um país com 212 milhões de habitantes, essa soma de porcentagens representam mais de 8 milhões e 600 mil pessoas em estado de fome.
Ainda, a situação no Nordeste é especialmente preocupante. A região possui a menor porcentagem de habitantes em situação de segurança alimentar (28,13%) e a segunda maior taxa de habitantes em estado de fome (13,76%).

O maior número de pessoas em estado de fome (insegurança alimentar grave) encontrasse no Nordeste (40%), seguido pelo Sul/Sudeste (39%), Norte (15%) e, por fim, Centro-Oeste (6%). E vale lembrar que, para efeitos de comparação, o Brasil já foi referência internacional no combate à fome, entre 2004 e 2013, porém, hoje, o país voltou a figurar no mapa da fome da ONU.
“Era previsível que a comida, tanto sua disponibilidade como o acesso a ela, viesse a ocupar o centro das preocupações e urgências no contexto de pandemia pela qual estamos passando, ao lado, e como complemento indispensável, dos cuidados com a saúde das pessoas infectadas, ou não, pelo vírus mais recente” (Maluf, 2020).
Metodologia
Os dados foram obtidos através do Inquérito da VigiSAN SA/IA realizada pela Rede PENSSAN.
Tabela 1: Pegamos o número de pessoas de cada nível de segurança alimentar e dividimos pelo total de habitantes da respectiva região para podermos ter mais clareza da distribuição percentual nas diversas áreas brasileiras.
Exemplo:
Região Norte – 5.821.979 milhões de pessoas (pessoas em Segurança Alimentar) dividido por 15.784.923 milhões de pessoas (total de habitantes da região Norte).
Resultado: Aproximadamente 0,3688 ou 36,88% de pessoas em Segurança Alimentar na Região Norte
Tabela 2: Nessa tabela focamos na categoria Insegurança Alimentar Grave (IAG), o que já caracteriza como pessoa em estado de fome. Pegamos o número de pessoas IAG de cada região e dividimos pelo total de pessoas IAG no Brasil para sabermos onde se encontram as maiores fatias de pessoas em estado de fome nas regiões brasileiras.
Exemplo:
Região Norte – 2.849.319 milhões de pessoas IAG na região Norte dividido pelo total de pessoas IAG no Brasil, 19.134.556 milhões de pessoas.
Resultado: Aproximadamente 0,1489 arredondado para 15%
Dados complementares da Rede PENSSAN também usados para o entendimento geral do tema.
Fontes de dados da Rede PENSSAN:
Dados sobre os resultados da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) aplicada na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios de 2013 apud PNAD: insegurança alimentar nos domicílios cai de 30,2% em 2009 para 22,6% em 2013. Agência IBGE de Notícias, 18 dez. 2014.
Tais bases de dados foram utilizadas para produção de uma nova planilha específica para esta reportagem.
Por G. Miranda, Giovanna Ventura e Paulo Gabriel Karam (Jornalismo de Dados)
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