A falsa diversidade no Carnaval do Rio

O Carnaval das escolas de samba sempre se vendeu como um meio democrático, em que todos seriam aceitos do seu jeito, sem preconceitos e de fato, em partes é, porém em se tratando de um dos cargos mais visados da festa, o de carnavalesco, a história mostra o contrário. Nos últimos 20 carnavais, apenas 11 dos ocupantes deste cargo eram negros e seis mulheres, contabilizando um número muito pequeno, diante da dimensão dessa manisfestação cultural.

Por mais que tenha nascido de uma mulher preta, o Carnaval atual é mais branco e masculino do que nunca nas suas lideranças: das 12 escolas do Grupo Especial carioca, apenas três têm carnavalescos negros e curiosamente, as mesmas três tem carnavalescas mulheres, em trabalhos que serão desenvolvidos em dupla para o carnaval 2023. Para João Vitor Araújo, carnavalesco do Paraíso do Tuiuti e um dos três negros na liderança do Carnaval, as pessoas estão acostumadas com este cenário da ausência de diversidade:

Tudo o que é diferente era estranheza, incomoda, e é questionado e colocado à prova o tempo todo. Você acaba não sendo modelo, sem rótulo de artista. As pessoas nunca me colocam como referência, sempre estranham tudo que seja feito por alguém de pele preta. Mas apesar de tudo, espero que alguém esteja se espelhando em mim, pela força de vontade e determinação”, diz João Vitor.

João Vitor Araújo é um dos três carnavalescos negros do Carnaval do Rio. Ele atualmente está no Paraíso do Tuiuti. (Foto: Divulgação/Tuiuti)

Pouquíssimas mulheres na liderança das escolas
O cenário para as mulheres sempre foi muito mais cheio de barreiras, já que pegando as estatísticas dos últimos 20 anos, por mais que tenhamos só seis mulheres no cargo de carnavalesca de uma escola de samba da elite do Carnaval do Rio de Janeiro, apenas duas conseguiram assinar carnavais sozinhas, sem ter um homem ao seu lado.

Annik Salmon já assinou carnavais ao lado de outros carnavalescos e este ano estará sozinha na Estação Primeira de Mangueira.

Ouvi muita coisa que não gostei nesses últimos quase 20 anos que trabalho com Carnaval. Pessoas questionaram a minha arte por ser mulher, mas sempre achei isso pequeno diante do que acredito. Comecei como estagiária, depois passei a ser assistente de carnavalesco, pude assinar alguns carnavais ao lado de outros colegas, e fiz dois carnavais sozinha na Porto da Pedra, em que me destaquei mostrando todo o meu potencial. Foi esta estrada que credenciou para ser carnavalesca da Mangueira, uma das escolas mais conhecidas do mundo”, conta Annik.

Annik Salmon, da Mangueira, assina em 2023 seu primeiro Carnaval sozinha. Foto: Divulgação

O professor de sociologia e pesquisador das escolas de samba, Mauro Cordeiro, vê com preocupação essa falta de diversidade em um dos cargos mais importantes do Carnaval. Para ele, a questão está enraizada nas agremiações, infelizmente, e de forma incoerente, pois o Carnaval deveria refletir o protagonismo negro, já que é um produto da cultura preta.

Temos muitos artistas nos barracões que não conseguem ascender a uma posição de destaque como a de carnavalesco, as vezes por falta de formação ou até por não serem oportunizados. Precisamos debater, entender, criticar e compreender o cenário dos motivos dessa exclusão”, declara o professor.

A discussão em volta da diversidade está cada vez mais forte na nossa sociedade, mas infelizmente, mesmo que nos enredos a abordagem esteja presente, o dia a dia de uma escola de samba, se mostra ainda o contrário, sem tantas portas abertas para pretos e mulheres, que ficam cada vez mais distantes de contarem suas próprias histórias, por meio de seus pontos de vistas e vivências.

METODOLOGIA DA BASE DE DADOS

Foi criada uma base de dados do zero, com informações coletadas através do site da LIGA INDEPENDENTE DAS ESCOLAS DE SAMBA e das próprias escolas de samba, por meio das fichas técnicas das agremiações desde 2003 até o Carnaval de 2023, priorizando o cargo de carnavalescos e carnavalescas. Aqui é possível acessar a Base de Dados.

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Foto de Capa: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por Guilherme Alves (Jornalismo de Dados)

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