A retomada da cultura carioca e os desafios da classe artística durante a pandemia

O setor cultural foi um dos mais afetados pela pandemia de Covid-19 e pela necessidade do distanciamento social. Cinemas, casas de shows e teatros foram fechados e ficaram sem a presença de seu alvo principal: o público. Sem a possibilidade de exercer seu ofício, artistas de diferentes áreas e vertentes tiveram sua renda diretamente afetada e foram forçados a se reinventar.

Por outro lado, durante esse período houve um despertar para a importância da cultura e da arte no dia a dia. Arte, literatura, cinema, música e teatro passaram, ainda mais, a ser companhia das pessoas e entraram de vez nas casas da plateia. A cultura deixou de ser vista apenas como entretenimento para ser debatida como uma indústria que movimenta milhões e é responsável pelo sustento de milhares de famílias.

É o que conta Patrik França, produtor da Rádio Cidade do Rio de Janeiro, cuja rotina de cobertura de shows foi completamente afetada pela pandemia. “Muitos eventos foram adiados mais de uma vez, sempre ligados ao número de casos e de olho na situação total da pandemia. Com isso, perdemos espaço na divulgação da marca nesses locais e a multiplicação desse conteúdo para o nosso público”, ele explica.

A estação, que na maior parte do período estava no ar como web rádio, também teve mudanças na programação devido ao cancelamento de shows.

Caíram várias promoções por exemplo, e tivemos de fazer um comunicado ao público diante do que estava acontecendo. O show de aniversário da Rádio Cidade mesmo, foi adiado diversas vezes, pois deveria ter ocorrido antes da pandemia, e isso mexe com uma cadeia comercial também, que investiu no evento”, afirma França.

Com shows cancelados, produtores culturais e outros expoentes da área precisaram se reinventar (Foto: Arquivo Pessoal)

Agora, com a retomada dos shows, o cenário é outro. “Retornamos com o nome da rádio nas principais casas do Rio, realizamos entrevistas sobre a expectativa desses artistas para os shows e isso dá muito prestígio para nós, além de deixar os fãs enlouquecidos”, conta o produtor.

A procura de shows sempre traz um público do artista ou banda para nossas promoções. Isso aumentou muito com a retomada desses eventos. Vejo que agora, as coberturas de eventos vêm crescendo cada vez mais. Sinto que o público estava realmente com saudade”, pondera.

Lei Aldir Blanc
Um dos principais pontos que levaram a classe artística e de profissionais que trabalham no setor cultural a buscar novas fontes de renda foi justamente a demora de uma ação do governo direcionada a essas categorias. A pandemia de Covid-19 e as medidas de segurança sanitária, como o isolamento social, tiveram início nos primeiros meses de 2020, porém, somente em 29 de junho do mesmo ano foi aprovada a Lei nº 14.017, responsável por dar apoio financeiro, com um auxílio emergencial, aos trabalhadores da cultura.

Chamada de Lei Aldir Blanc, em homenagem ao letrista e médico brasileiro, que morreu em decorrência de uma infecção causada pela Covid, o subsídio mensal foi criado para apoiar e auxiliar especificamente trabalhadores da cultura e, posteriormente, centros culturais e espaços voltados as artes que estavam de portas fechadas.

A legislação estabeleceu competências e dividiu o repasse da verba da Lei Aldir Blanc entre o Distrito Federal, Estados e Municípios. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, recebeu cerca de R$ 39 milhões. O Inciso I, responsável pela renda emergencial dos trabalhadores da cultura ficou a cargo dos governos estaduais. Já o Inciso II, foi destinado para a manutenção de espaços e organizações culturais. O Rio ainda contou com o Inciso III, um desdobramento com editais e premiações para projetos de fomento e incentivo as artes da região.

Fonte: Secretaria de Cultura e Economia Criativa RJ

Segundo o relatório da Renda Emergencial da Cultura divulgado pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro – SECEC, foram 1.699 beneficiários, dos quais 24 eram mães monoparentais que receberam duas cotas através do Inciso I. Ao todo 4.977 pessoas se inscreveram para receber o auxílio emergencial. Desses, 3.278 ficaram inabilitados por não se enquadrarem em todos os requisitos e declaração de renda necessários. Esses profissionais foram divididos em categorias como artista, artesão, consultor, criador, gestor, produtor, técnico, entre outros.

A capital do Rio foi a região que teve maior número de profissionais beneficiados pela Lei Aldir Blanc, com 866 pessoas, o equivalente a 51% da verba destinada ao município. Em seguida aparecem as regiões Metropolitanas II e III, com 170 e 186 trabalhados beneficiados, respectivamente.

Fonte: Secretaria de Cultura e Economia Criativa RJ

Adaptações

O músico Victor F. Magalhães. Foto: Redes Sociais.

Victor Magalhães, 28, é um músico e guitarrista contratado por bandas que, embora não tenha solicitado o auxílio emergencial, teve 40% de sua renda mensal afetada pela pandemia. “Precisei me adaptar. Comecei a fazer e participar de gravações remotamente e tive que investir uma certa quantia nisso”, conta o artista.

Já a cineasta e diretora teatral Karla Gabriela, participou de projetos dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Por causa da pandemia, toda a atividade cênica presencial teve que migrar para o mundo online. Foi aquele boom de peças online por plataformas como o Zoom. Nós tivemos que nos reinventar para jogar aquilo no mundo virtual”, ela relata.

Recém formada, Karla trabalhou na direção de três peças durante a pandemia, entre elas a montagem de “Yes and No”, que contou com a participação de atores estrangeiros. “A pandemia, apesar de toda a desgraça que trouxe, e de ter me tirado o palco, me deu essa experiência de dirigir dois atores profissionais de nacionalidades totalmente diferentes. Foram desafios que me preparam principalmente para esse novo mercado de transmissões ao vivo. Tive o apoio do meu coordenador e orientador, o que foi essencial.”, conta a diretora.

A diretora Karla Gabriela em ação. Foto: Redes Sociais.

“A pandemia, também, veio para mostrar ao mundo teatral e das artes cênicas que é possível sim fazer peças com pessoas em lugares diferentes. Da mesma forma que eu posso distribuir essa peça ao mesmo tempo para pessoas ao redor do mundo. Como foi o caso da minha peça ‘Yes and No’.”, conclui Karla.

Base de Dados: Acesse aqui.

Por Clara Rodrigues (Jornalismo de Dados)

Metodologia

O levantamento utilizado durante a apuração e elaboração da reportagem A retomada da cultura carioca e os desafios da classe artística durante a pandemia apresentou algumas adversidades quanto à base de dados extraída da busca feita no site da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro.

À primeira vista realizei uma análise da tabela de dados brutos que continha os números de solicitações para receber o auxílio emergencial através da Lei Aldir Blanc na cidade do Rio de Janeiro. Em seguida, destaquei e separei as solicitações que foram validadas e invalidadas. Só então pude compreender e visualizar melhor esses números com as solicitações dos trabalhadores da cultura e separá-los por regiões da cidade e especializações dentro do setor cultural. Os gráficos apresentados na reportagem foram elaborados seguindo esta abordagem.

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