Em tese, qualquer pessoa que circule pelas ruas da cidade está sujeita a ser parada e revistada numa abordagem policial. Porém, na prática, apenas alguns serão escolhidos e, por muitas vezes, tal escolha não é aleatória, e sim assentada em critérios prévios de suspeição.
Uma pesquisa realizada este ano pelo Datafolha com moradores e policiais da cidade do Rio de Janeiro buscou identificar a incidência de abordagens policiais em segmentos diversos da população carioca e compreender como essas experiências afetavam percepções e opiniões a respeito do trabalho policial e, ainda, os critérios de construção da suspeita por parte dos policiais militares, verificando a possível influência de filtros sociais e raciais na definição das pessoas com maior probabilidade de serem paradas e revistadas pela polícia.
Diante disso, a pesquisa “Elemento Suspeito” indicou um agravamento de racismo nas abordagens policiais, e, consequentemente em todo ciclo da justiça criminal. O primeiro levantamento, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) foi publicado em 2003 e, na edição divulgada no dia 15 de fevereiro de 2022 que recebeu o subtítulo “Negro trauma: racismo e abordagem policial na cidade do Rio de Janeiro.”

Segundo a pesquisa, 68% das pessoas abordadas andando a pé e 71% no transporte pública são negras, enquanto os pretos e pardos somam 48% da população no Rio de Janeiro. Além disso, 17% já foram paradas mais de dez vezes e 15% de seis a dez vezes. Entre aqueles que tiveram sua casa revistada pela polícia, 79% eram negros, bem como 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
Ainda de acordo com a pesquisa, há de se observar que em toda as situações analisadas a proporção de negros abordados pela polícia é sempre maior que a de brancos. Os negros contam com cerca de 74% dos abordados em vans ou kombis, 72% nos carros de aplicativos, 68% andando de moto e 67% em eventos ou festas.
A pesquisa também contou com a participação de policiais militares que, ao serem questionados sobre o que seria um “elemento suspeito”, responderam que enxergam como tal indivíduos com “bigode fininho, loirinho, com cabelo com pintinha amarela, blusa do Flamengo e boné”. Para os pesquisadores, a descrição corresponde à estética de jovens das favelas e periferias carioca.
A cientista social e coordenadora do Cesec, Silvia Ramos, destaca o impacto psicológico que a rotina policial impõe aos jovens negros, que mudam seus hábitos apenas para evitar as abordagens, evitando inclusive o uso de acessórios como bolsas e roupas que poderiam se enquadrar no estereótipo do “elemento suspeito”.
“Às vezes a pessoa nem é abordada, mas o medo de ser abordada faz com que ela mude o percurso, que ela nem saia na rua, que tenha medo ou vergonha de sair com amigos ou a namorada porque pode sofrer um preconceito humilhante”, afirma.
Segundo a pesquisa, em relação às operações policiais, foi indicado que 80% dos entrevistados acreditam que elas precisam existir, mas 97% discordam que a polícia possa ferir e matar pessoas durante as ações.
Ameaças e uso de armas cresceram nos últimos anos
Em comparação com os dados de 2003, as ameaças nas abordagens passaram de 6,5% para 23% e a experiência de ter uma arma apontada ao indivíduo subiu de 9,7% para 28%. Ter sido parado mais de dez vezes passou de 8,2% para 17% e ter sido revistado subiu de 36,9% para 50%.
Ao comparar a pesquisa de 2003 com a atual, observa-se que as ameaças durante abordagens policiais passaram de 6,5% para 23% – um aumento de 16,5 pontos percentuais. A experiência violenta mais comum é ter uma arma apontada diretamente para si. O documento ainda mostra que 4% dos entrevistados sofreram violência física; 7%, tentativa de extorsão por policiais e, em 9% dos casos o policial pediu para ver o celular dos abordados. A pesquisa também expõe o uso de palavras na abordagem, como “neguinho”.
Pesquisa Datafolha 2022

Em uma pesquisa realizada pelo Datafolha ainda este ano aponta que que 51% dos brasileiros têm mais medo do que confiança na polícia, enquanto 47% confiam na corporação mais do que temem.
A pesquisa também perguntou aos entrevistados se a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas e a grande maioria, 72%, não acredita que a posse de armas resolveria questões de segurança; enquanto 26% responderam que sim e, apenas 2% não soube responder.
Metodologia
A presente matéria tem como intuito comparar duas pesquisas, uma feita em 2003 e outra neste ano de 2022. Diante disso, notamos um crescimento nas abordagens policiais, principalmente em pessoas negras. Além de tal aumento nas abordagens, ainda podemos perceber que essas aproximações policiais têm se tornado cada vez mais agressivas, como visto no crescimento do uso de armas em tais situações como forma de intimidação.
Por Thiago Chavantes e Willian Santillana (disciplina Jornalismo de Dados)