O mundo da moda é conhecido por ser notoriamente elitista. No mundo moderno atual, peças de roupa, calçados e acessórios de grife podem ultrapassar o valor de milhares de dólares, enquanto mais da metade população mundial nem sequer tem acesso a saneamento básico de qualidade, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Atualmente, com o avanço da internet e o crescimento dos meios de comunicação de massa, cresce também a necessidade por um mercado de vestuário mais acessível à população. Surge o fast fashion. O termo, que significa “moda rápida” em tradução livre, se refere a um mercado de vestuário de produção em massa, no qual as peças são produzidas em quantidades exorbitantes a partir de mão-de-obra e matérias-primas baratas. Muitas vezes a qualidade não é das melhores, mas o baixo custo de compra (fruto do baixo gasto com a produção) alivia o bolso de consumidores que sempre sonharam em vestir algo além do básico.
A musicista Xana Frainer, de 39 anos, é uma dessas pessoas que busca preço. “Antigamente, a moda era para quem tinha dinheiro. Para a população geral sobrava pouca opção, era muito difícil conseguir se manter na moda. Além disso, com a situação atual da economia, está tudo muito caro e o salário não acompanha. Nós acabamos tendo que optar pelo que é mais fácil, mais barato.”, conta.
A gigante chinesa SHEIN
Um dos maiores exemplos de E-commerce de fast fashion atual, se não o mais popular, é a empresa SHEIN. Fundada em Nanjing, na China, inicialmente como uma vendedora de vestidos de noiva, a companhia de Chris Xu expandiu seus negócios para roupas femininas em geral no início dos anos 2010.
Com a popularização das vendas on-line, o crescimento foi exponencial. Dados compilados pela plataforma Business of Apps mostram que a receita da gigante manufatureira cresceu 398% em um período de cinco anos. Apenas na passagem de 2020 a 2021, os ganhos somam quase US$6 bilhões, chegando a US$15,7 bilhões. O valor de mercado também teve uma alta significativa: durante o auge da pandemia de Covid-19, de 2019 a 2021, a SHEIN passou de US$5 bilhões para US$47 bilhões, um crescimento de quase dez vezes o inicial.

SHEIN e o panorama brasileiro
Atualmente, o Brasil é o segundo país que mais consome produtos da gigante do fast fashion, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, segundo dados da analítica Similar Web. No período de fevereiro a abril de 2022, o público brasileiro foi responsável por cerca de 8,7% do tráfego do website.
Não à toa, o brasileiro tem, cada vez mais, buscado alternativas mais baratas para as compras do dia a dia. A alta contínua da inflação nos últimos anos levou a uma diminuição gradativa do poder de compra da população. Dados do IBGE, escancaram a diferença: de 2019 a 2022, o real perdeu cerca de 24,07% do seu poder de compra.
Abaixo, comparamos o período de maior lucro da Shein, entre 2019 e 2022, com a progressão destes índices.

E as sobras de produção? Para onde vão?
O fast fashion deu às roupas um ciclo de vida mais curto. Ao passo que o valor se torna mais acessível, a população consome mais e, com isso, torna-se mais suscetível a substituir peças antigas do guarda-roupa por outras mais novas e modernas — o que nos leva a questionar: para onde vão as roupas descartadas e os resíduos de produção?
No Brasil, detritos têxteis são classificados como resíduos sólidos urbanos (RSU), de acordo com o Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR+) do Ministério do Meio Ambiente. Ainda segundo a plataforma, em dados mais recentes, de 2019, cerca de 1,807 municípios no país contavam com a disposição final de RSUs em situação inadequada, chegando a 12 milhões de toneladas.
Os gráficos abaixo ilustram a situação dos municípios brasileiros dispostos em macrorregiões por quantidade de RSUs em situação adequada e inadequada (Figura 1), total de municípios em situação adequada, inadequada e não declarante (Figura 2), destinação final em aterro sanitários, aterros controlados ou lixão (Figura 3) e quantidade de resíduos destinados à reciclagem ou lixões (Figura 4).




Como é possível observar, as regiões Sul e Sudeste possuem maior controle e melhor destinação de resíduos se comparadas às demais. Na região Sul, a quantidade de resíduos destinados à reciclagem é quase sete vezes maior do que a parcela enviada à lixões, sendo a região com o menor volume de resíduos em situação inadequada e a com maior quantidade de municípios em situação de descarte adequado. Por outro lado, a região Nordeste é a que mais sofre, sendo campeã de destinação a lixões, municípios inadequados ou não-declarantes e em volume de resíduos em inadequação.
Apesar das informações, não é possível obter dados específicos quanto à disposição e destinação específica dos resíduos de vestuário, têxtil e calçados pela plataforma. Segundo Lilyan Berlim, pesquisadora no ramo de moda e sustentabilidade, o Brasil não conta dispõe de um lixo seletivo exclusivo para materiais têxteis, algo que dificulta a coleta de informações.
“Nós não temos como descartar, por exemplo, calcinhas, sutiãs, roupas furadas etc. O ideal seria nós termos empresas de reciclagem que recolhessem esses tecidos, roupas não mais usadas e impróprias para reuso e para reciclagem, e essas recicladoras teriam que fazer um trabalho bem-feito. Existem algumas no Brasil, mas muito poucas perto do montante do consumo.”, diz.

Além da reciclagem, é importante incentivar a prática de doação de roupas e realização de bazares beneficentes, soluções enfatizadas por Lilyan quando se trata de peças que não servem ou já não interessam mais ao indivíduo. A musicista Xana Frainer, adepta da prática há anos, conta que diminuiu o consumo de peças de vestuário, mantendo apenas o essencial.
“Pratico o consumo consciente, meu guarda-roupa é bem enxuto, com poucas peças. Acho que é importante termos poucos itens; eu mesma tenho um pouquinho de cada coisa. Infelizmente, nem todo mundo tem essa consciência, mas acredito que, daqui para frente, isso tende a mudar. O planeta pede socorro.”, conta.
Por fim, a pesquisadora Lilyan Berlim reforça: o país necessita, urgentemente, investir em métodos de tratamento dos detritos têxteis a fim de diminuir os níveis de poluição e desgaste do meio ambiente, mas, mais do que isso, é preciso frear a produção em massa.
“O Brasil ainda tem que melhorar muito, a começar com políticas públicas que tratem da reciclagem de têxteis, usinas recicladoras, bancos de tecidos, associações e cooperativas que possam fazer upcycling com as roupas. No entanto, eu acho que o principal ponto é a redução. Nós temos que reduzir a quantidade de roupa comprada, consumida, feita, e assim nós conseguiremos reduzir o resíduo”, sugere a especialista.
METODOLOGIA
Inicialmente, a fim de exemplificar o assunto, foram utilizados dados que ilustram o crescimento exponencial da marca chinesa Shein, compilados pela plataforma Business of Apps. A partir daí, os valores foram comparados ao cenário brasileiro, ambos no mesmo período, tomando como base a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e queda do poder de compra (%) do consumidor brasileiro, disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Levando em consideração a categorização dos resíduos têxteis no Brasil como Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), foram analisadas informações ao nível nacional do Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólido (SINIR+), gerido pelo Ministério do Meio Ambiente, em publicação mais recente de 2019 e 2020, levando em consideração as cinco macrorregiões brasileiras: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul.
Os dados foram dispostos em planilhas e estão disponibilizados clicando aqui.
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Por Larissa Bianco (edição, produção e reportagem) — 5º período